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Qual é o impacto da violência na saúde mental?

“Você existe” e “você é valioso”! Essas duas frases resumem a base que sustenta a promoção da saúde mental, segundo Cristina Ventura, psicóloga e pesquisadora na área de políticas públicas de saúde mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “É a construção de espaços que ampliem as possibilidades de pertencimento social, em que a palavra de uma criança ou um adolescente tenha valor, que ele se sinta pertencente, reconhecido.”

A escola é um espaço de segurança – os ataques que acompanhamos recentemente são tristes exceções. “A violência tem acontecido na escola, ela é alvo e não causa. A violência está instaurada na sociedade. A escola, como um lugar coletivo, do encontro das diferenças, torna-se um foco”, afirma Flaviany Ribeiro da Silva, doutora em Saúde da Criança e da Mulher pelo Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz e psicóloga escolar na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.

Em muitos casos, o espaço escolar é o único em que a criança ou adolescente se sente bem. Essa função de proteção social é o que faz que tenha um papel essencial quando falamos de saúde mental. Para Cristina, a escola deve ser um espaço onde as crianças e adolescentes se sintam ouvidos, onde se reforce o respeito às diferenças e onde a palavra de todos tenha valor. “Como fazer isso? Com espaços de cultura, rodas de conversa, oficinas comunitárias [com participação da comunidade escolar], ampliar espaços de participação mediados por uma gestão que pense a convivência”, complementa a pesquisadora da UFRJ.

Violência e saúde mental

Vítimas de violência têm maior probabilidade de desenvolver problemas de saúde mental. Quando pensamos em crianças e adolescentes, esses impactos são ainda mais preocupantes. “É natural que apresentem mal estar físico, pesadelos, aumento de ansiedade”, exemplifica Andrea Monteiro, psicóloga e monitora da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (ASEC) na área de formação docente em educação emocional.

O medo é uma emoção primária, um mecanismo de defesa. Ele começa a se tornar um problema quando não é elaborado, ou seja, quando não se fala sobre ele. “Quando o medo acontece de forma recorrente e desenfreada, ele pode levar a quadros de ansiedade”, explica Ana Carolina D’Agostini, psicóloga, consultora e coordenadora de formações na área de saúde mental no Instituto Ame sua Mente e gerente de conteúdo da Semente Educação.

A especialista explica que a ansiedade é caracterizada por pensamentos recorrentes e intrusivos e pela tentativa de antecipar o futuro. Também pode se manifestar em sintomas físicos como sensação de falta de ar, dor de barriga, palpitação, formigamento e dificuldade no sono. Quadros de ansiedade também podem evoluir para sintomas depressivos ou de estresse pós-traumático.

 

Quando é hora de procurar ajuda especializada?

Para saber a hora de intervir, Ana Carolina recomenda atentar-se para três fatores:

  • Intensidade: “Se alguém próximo de você falece, é esperado que sinta tristeza. Porém, [é preocupante] se essa tristeza começa a ter uma intensidade muito maior”
  • Duração: “Se você está se sentindo muito triste o tempo todo e já está durando um mês e meio, dois meses…”
  • Prejuízo: “Se você está se sentindo tão triste que está demorando para dormir, acorda de madrugada, não tem vontade de comer ou fazer coisas que gostava”

“Os sinais começam de forma sutil. Eles podem se tornar um sintoma e esse sintoma, se não for cuidado, evoluir para um transtorno. Nenhum transtorno começa do nada. Tudo começa com sinais possíveis de perceber e cuidar para impedir o agravamento”, reforça Ana Carolina. “Há tratamento, assim como pressão alta ou uma questão de pele. Se alguém está com uma infecção que não melhora, será encorajado rapidamente a buscar ajuda. O mesmo vale para nossos sentimentos. O importante é observar e cuidar uns dos outros”, complementa.

Quando escolas da rede municipal do Rio de Janeiro identificam uma necessidade nesse sentido, são profissionais como Flaviany que são enviados pela rede. “Recebemos os pedidos, entramos na escola para oferecer apoio de escuta e articulação da rede [que vai além de psicólogos, envolvendo também profissionais de outras áreas]”, conta.

A especialista já atuava na rede quando aconteceu o massacre de Realengo, em 2011. Apesar de não estar envolvida diretamente, ela lembra que uma equipe esteve disponível na escola para apoiar famílias, equipe escolar e estudantes, organizando rodas de conversa, momentos de escuta e articulação. “O trabalho é exatamente esse: deixar falar e elaborar o luto. As rodas de conversa são muito usadas e ofertadas para quem quiser de forma contínua.”

Não coloque a saúde mental como causa de um episódio violento

A violência é consequência de múltiplos fatores. “Temos uma sociedade da velocidade, da falta de tempo, da competitividade, do individualismo, do pouco diálogo, do excesso de informações, que faz com que essa violência se produza”, explica Flaviany.

Os ataques são uma manifestação extrema, mas a violência está presente de muitas outras formas na escola, seja de forma verbal, física ou simbólica. Entre os sintomas desse problema temos o aumento do bullying e cyberbullying, dos discursos de ódio, dos conflitos e da comunicação agressiva.

Ana Carolina também destaca que não podemos esquecer ou minimizar, ainda, os efeitos da pandemia. “Afetou a escola e as relações sociais de maneira muito única. Depois da pandemia, vimos um aumento do estresse, ansiedade e depressão”, aponta. “[A criança] sentiu muita falta da escola como um espaço de identidade e senso de pertencimento. Elas precisam disso”, diz a especialista do Ame sua Mente. Essa necessidade é aproveitada por comunidades extremistas na internet.

“Se uma pessoa não está se sentindo pertencente, com sentimentos muito difíceis de lidar ou com um transtorno mental que está se agravando, ela pode achar validação para emoções mais difíceis em grupos que estimulam comportamentos agressivos e destrutivos”, explica Ana Carolina.

Por isso, não se deve reduzir qualquer tipo de violência, independentemente da gravidade do ato, a um diagnóstico psiquiátrico. “A gente precisa ter cuidado para não associar pessoas que tenham transtornos mentais a comportamentos violentos, porque cria um estigma muito grande. Depois, pessoas que possam estar sentindo depressão ou ansiedade podem esconder ou deixar de procurar ajuda por associar um transtorno mental necessariamente a algo violento, aponta Ana Carolina.

Cristina alerta ainda que o trabalho de apoio psicológico nas escolas deve ter uma orientação bem definida, caso contrário, pode gerar a patologização. “A psicologia pode ajudar muito no sentido de instrumentalizar”, complementa Flaviany. Isso significa apresentar para a comunidade escolar formas de lidar com os sentimentos, como construir momentos efetivos de escuta e estratégias que a escola pode adotar após a saída dos psicólogos do dia a dia.

Caminhos práticos para acolher e cuidar da comunidade escolar

Não existe uma fórmula mágica ou passo a passo do que fazer quando uma tragédia, como um ataque, acontece na escola. “Se a gente individualiza, recuamos cada um para seu canto. Quando o problema é contextual, histórico e social, a resposta deveria ser coletiva também”, afirma Cristina.

No entanto, algumas orientações podem ajudar a enfrentar essa situação, segundo as especialistas:

Abra espaço para uma construção coletiva

Os professores ou gestores não têm todas as respostas! Para lidar com essas situações de violência, a escola precisa se unir para pensar em ações que façam sentido para aquele grupo e, juntos, chegar a estratégias efetivas. “As ações só fazem sentido se aquela criança puder se ver ali e se sentir acolhida. O acolhimento passa por se sentir pertencente”, afirma a psicóloga escolar.

Garanta espaços de escuta

“Não conseguimos mensurar os efeitos em casos de violência. Pode desencadear ansiedade, medo, estresse pós-traumático, etc. Sejam lá quais forem os efeitos no psíquico das crianças e dos adolescentes, um modo de manejar é deixar que falem. São situações que precisam ser faladas para que possam ser elaboradas”, explica Flaviany.

Respeite o tempo de todos

Há pessoas que vão voltar ao normal com mais facilidade que outras e é necessário que o processo individual seja respeitado. Porém, caso esse sofrimento perdure por muito tempo, é recomendado o encaminhamento para especialistas da área da saúde mental.

Mantenha espaços contínuos de conversa

É possível que, em um momento inicial, nem todos estejam prontos para conversar. Nesses casos, reforce que a escuta estará disponível para quando a pessoa precisar ou desejar. Esses momentos de diálogo podem ser oferecidos com recorrência, na medida do possível, para oferecer novas oportunidades de escuta. “A violência só começa porque a palavra, em algum momento, perdeu o valor”, destaca Flaviany. Pensando nisso, o diálogo deve ser uma ação central para pensar o acolhimento e cuidados com a saúde mental.

“As pesquisas apontam que o trabalho eficaz, tanto de prevenção quanto de enfrentamento, é por meio do vínculo, dos espaços de fala e escuta. A palavra tem que circular. Quando você escuta, pode elaborar seja lá o que for. Às vezes, não conseguimos colocar em palavras e apenas conseguimos chorar, isso também é importante. Essa oferta sistemática é um caminho muito potente para a elaboração do luto”, complementa a psicóloga escolar.

Valide os sentimentos

Cada pessoa da comunidade escolar será afetada de forma diferente. Andrea diz que, ao perguntar ao estudante como ele está se sentindo, o adulto deve ouvi-lo sem julgamentos. “Evite dizer frases como ‘não fique assim’ ou ‘não precisa se preocupar’, pois podem sugerir que os sentimentos expressados não são adequados”. Ela sugere substituir por frases como “é natural nos sentimos assim em uma situação como essa” ou “eu também fiquei nervosa com tudo isso.”

Estimule a busca por estratégias para lidar com os sentimentos

A especialista do ASEC sugere fazer perguntas como “o que você normalmente faz quando está triste (ou com raiva, ansioso, etc)?” e “há outras coisas que você acredita que podem funcionar para você se sentir melhor neste momento?”. Também coloque-se à disposição para auxiliá-los a encontrar formas de acolher e lidar com os próprios sentimentos.

Apoie a realização de homenagens

Como uma etapa do processo de luto, a comunidade escolar que perdeu pessoas em um caso de violência pode criar homenagens na escola, construir um mural de memórias e cartas. Por exemplo, em maio, a estação do metrô próxima à E.E Thomázia Montoro, em São Paulo (SP), foi renomeada e carrega agora o nome da professora que foi vítima do ataque de março de 2023. Outra sugestão de Andrea é a criação de um mural coletivo para compartilhar estratégias para lidar com medo e ansiedade. “Isso permite a expressão e ampliação de caminhos, fortalecendo o cuidado em rede.”

Amplie as parcerias para fazer encaminhamentos psicológicos

As escolas diretamente envolvidas em ataques costumam ter acompanhamento psicológico oferecido pela rede. Para as demais, é possível buscar parcerias dentro da comunidade, instituições próximas, profissionais voluntários ou buscar atendimentos gratuitos. No Mapa da Saúde Mental e no site do Instituto Ame sua Mente, é possível encontrar serviços públicos que estão à disposição.

Ressignifique o espaço escolar

É importante “reconfigurar aquele espaço onde houve o ataque para que, mesmo depois de uma tragédia, as pessoas possam confiar que ali vão se apoiar”, sugere Ana Carolina.

Após a tragédia de março de 2019, a EE Raul Brasil, em Suzano (SP), passou por uma reforma para que, ao retornar às atividades, a comunidade encontrasse um novo espaço. Também foi feito um grafite retratando as vítimas do massacre no muro da escola. “As pessoas têm medo de voltar, mas, ao mesmo tempo, é dentro da escola que a gente tem a cura, o afeto, e cuidamos das nossas relações”, diz Ana Carolina.

5 cuidados para falar sobre o assunto com as crianças mais novas

1. Espere que a criança traga o tema e esteja atento a qualquer mudança de comportamento. “Quando algo não vai bem com uma criança muito pequena, em geral, ela manifesta sem verbalizar. Vai ser pelo desenho, pelo brincar, pelo comportamento e pelo choro”, diz a psicóloga escolar.

2. Se ela perguntar, manifestar algum sinal de não estar bem ou contar algo que ouviu alguém comentando, não desconverse. Responda de forma clara, usando palavras adequadas para a idade e não dê mais detalhes do que o necessário.

3. Explore diferentes tipos de linguagem. “É importante criar formas lúdicas de expressão, seja por meio de um teatro com fantoches, desenhos, histórias que falem sobre momentos difíceis”, diz Ana Carolina.

4. Reforce que elas estão seguras, que há adultos cuidando para que todos fiquem bem.

5. Ajude a criança a criar estratégias para lidar com seus sentimentos. Andrea sugere que seja perguntado como ela se sente e então sugeridos caminhos para que ela se sinta melhor.

Sugestões para cuidar da saúde mental e prevenir violência nas escolas

“Do ponto de vista individual, sabemos que o desenvolvimento de competências socioemocionais é reconhecido como um fator de proteção da saúde mental e bem-estar”, afirma Andrea. Esse trabalho deve ser realizado de forma contínua e integrado às demais aprendizagens curriculares.

Educadores e famílias devem estar atentos com o uso de redes sociais por parte das crianças e adolescentes – dado que esses meios são utilizados para atraí-los para grupos neonazistas, para a difusão de discursos de ódio e para praticar cyberbullying. “Vale refletir com a comunidade sobre um olhar crítico para estas redes e também sobre medidas de segurança pacíficas, preferencialmente apoiadas na coletividade”, sugere Andrea, do ASEC.

Outras ações para a escola são: cuidar do clima escolar, ter protocolos para mediação de conflitos, construir um plano de convivência que permita relações mais saudáveis, garantir um olhar para o desenvolvimento socioemocional dos alunos e promover uma cultura de paz. “Não preciso esperar que aconteça um caso de violência para me preocupar com ela. [É possível] prevenir pela palavra, por meio de práticas de solidariedade e respeito às diferenças”, finaliza Flaviany.

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